quinta-feira, novembro 22, 2012

Sombras e Desejos


Quando seus pais compraram a casa que um dia pertencera à família de Wendy, a mudança do campo para a cidade pareceu menos pesada para Alice. Apesar de não ser mais criança, ainda era excitante poder deitar na cama de Wendy e dormir de vez em quando com a janela aberta, às espera de Peter Pan. "Isso nunca aconteceria", pensou.

Mas um dia quando Alice iniciou seu caminho de volta das aulas sozinha, alguém lhe passou a mão em suas nádegas. Virou-se a procura do atrevido e não viu nada. Seguiu o caminho, disposta a dar um soco no safadinho. Apesar da atenção redobrada, o safado tocou-lhe os seios! Vermelha de raiva e de vergonha, com a mão espalmada pronta para um bofetão.... e nada! O espertinho era rápido demais.

O assédio a acompanhou até sua casa, irritando-a muito. Ao entrar, tentou se certificar de que ninguém a espreitava, e entrou de pressa. Mas sentiu que alguém invisível passar por ela, tomando a dianteira.

Durante o jantar, ficou calada. Seus pais estranharam e perguntaram sobre a causa. Após algumas evasivas, eles a deixaram em paz.

No quarto, teve sonhos eróticos. Já os tivera antes, mas não daquela forma. Muito realistas e um sexo intenso e constante. Isso a assustou mais do que excitou. Levantou-se sobressaltada e acendeu a luz da cabeceira. A luz iluminou-a e mostrou sua sombra na parede. Ela custou a conter um grito que se formava em sua garganta. Sua sombra estava em louca orgia com a sombra de um rapaz!

Procurou aterrorizada em seu quarto quem projetava aquela sombra e não viu ninguém. Tentou se acalmar e com a cabeça um pouco mais fria, lembrou-se do início da aventura de Peter Pan. A sombra fujona!

Correu então abrir a janela. Peter Pan que viesse e levasse embora aquela sombra safada!

Não precisou esperar muito. Pela janela entrou voando um rapaz de cerca de 16 anos (Peter crescera!). Foi direto à sombra, tentado arrancá-la força de suas atividades mais interessantes.

Alice trancou a janela. E gritou:

— Peter! Seu safado!

Ele olhou assustado. Gaguejou tentando se desculpar e ficou rubro como uma maçã. Alice riu e disse:

— Sua sombra é mais esperta que você!

Ele a olhou encabulado e respondeu:

— Desculpe por ela! Ela tem me dado muito trabalho. Wendy a costurou para mim, mas a linha esgarçou com o tempo. E toda vez que ela foge de mim, vem pra o mundo real. E indo atrás dela eu cresço um pouquinho... Se ela fugir mais uma vez, não conseguirei voltar à Terra do Nunca. Você me ajuda?

Alice pegou a sua cesta de costuras. Tirou de lá de dentro uma tesoura e cortou a ligação com sua própria sombra!

Peter olhou-a incrédulo e reclamou:

— Sem minha sombra não posso voltar a Terra do Nunca!

Alice sorriu e o beijou. Ela percebeu sua relutância.

— Deixe sua sombra livre e torne-se também livre! Peter, crescer é uma aventura maravilhosa!

E novamente o beijou.

Sua janela tem ficado sempre aberta. Seus amigos passaram a estranhar por que ela não faz sombra. E a polícia tem relatado ações de um ladrão muito esperto e fugaz, tão fugaz que as vítimas relatam que ele sai voando da cena do crime...

Alvaro 2009
ilustrações: Alice , xilogravura da primeira edição
Capa  do livro Peter Pan & Wendy de 1915


Um comentário:

Soraya disse...

Minha sombra é livre, assim como eu sou. Legal essa história, parabéns!